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COLUNISTA

Marcelo Rubens Paiva


A democracia brasileira no divã. Anda bipolar: momentos de calmaria foram sucedidos por uma ansiedade em grau máximo, do estado sólido para a ebulição, em que parece que tudo irá ferver e se dissipar pelo ar. Vivemos no estado de água fervente. Da mania.


Marcelo Rubens Paiva
05 Novembro 2016

O presidente do Senado chama um juiz de “juizeco", a presidente do Supremo pede respeito, a polícia do Executivo prende a polícia do Legislativo, depois que o Legislativo, com o Judiciário, cassa o membro supremo do Executivo, a Presidente, e do próprio Legislativo, o ex-presidente da Câmara, e ameaça correr atrás do presidente do Senado, que pede imunidade à sua polícia, enquanto se sugere o exílio político de um ex-Presidente da República, que se diz perseguido pelo Judiciário.
Ministros são xingados em restaurantes. Deputados cassado, atacados no aeroporto. Dentro de aviões, tem corinho contra golpistas. Políticos eleitos são hostilizados. Até a ex-unanimidade Chico Buarque sofreu um assédio antidemocrático no quintal da sua casa, o Leblon, de jovens ricos, escolarizados e bem alimentados, que discordam de suas opiniões e ações.
A cólera ideológica está em todas as varandas. Nas portas de escolas. Nas calçadas de ruas e avenidas. “Comunista!”. “Fascista!”. “Vai pra Cuba!”. “Vai pra Miami!”. “Vai comer m... na Venezuela!”. “Vai pra Paris!”
Ir a Paris é uma maldição que serve aos dois lados. Paris é onde supostamente FHC tem um apartamento. Onde Chico Buarque também tem. Paris é onde o artista “vagabundo” gasta seu dinheiro obtido de forma ilícita, graças a leis de incentivo e suas conexões com esquemas que sangram estatais, que se identifica como de esquerda tomando champanhe com caviar.
Paris é o fetiche do falso “esquerdóide”, da massa crítica aliada à corrupção, massa crítica que fundou partidos de esquerda hoje corruptos, considera a direita.
O mundo real não é a zona oeste paulistana, a fronteira entre USP e PUC, o Mundo Encantado do Vale do Rio Pinheiros. O mundo real não é trocar carros por bicicletas, dividir bens, pensar no Estado gerador de justiça social.
O mundo real é da lama de Samarco, o do desmatamento para gerir riqueza, o da queima de combustível fóssil, o do avanço sobre terras indígenas, dos saquinhos plásticos, multas perdoadas e velocidade para carros aumentada. O mundo real é da gasolina barata, grades nas fachadas, polícia nas ruas, cadeias cheias.
Para eles, camelôs merecem borrachadas, jornalistas que cobrem manifestações merecem balas de borracha, movimentos sociais, sem-teto, sem-terra, estudantes que protestam ocupando escolas, merecem a ação repressiva do Estado, merecem borrachada! Os garotos de 15 anos do Tocantins, que ocupavam uma escola em Miracema, devem ser despejados algemados pela PM.
O Império nunca dorme. Garotos são despejados a borrachadas de escolas ocupadas. Garotos que protestam contra um ato considerado abusivo da presidência da República, que impôs uma reforma do ensino médio por uma Medida Provisória, e da PEC que limita os gatos para a educação.
Para conturbar o ambiente volátil, o Estado dá oxigênio à chama, mantem as datas do exame do Enem, colocando alunos, professores e pais contra e a favor das ocupações em pé de guerra, tática maquiavélica para rachar o movimento.
No mundo real não tem filosofia, sociologia, educação física e arte. No mundo real, não se quer debate ideológico nas escolas. Quem faz sucesso é Youtuber. Na lista de livros mais vendidos, Youtubers. Arrebentam nos palcos e nos cinemas.
O mundo real é o da tensão e humilhação dos realities BBB, MasterChef, X-Factor. TopTrend. Debater publicamente através da dramaturgia os conflitos sociais e o acirramento da divisão do País? Cana. Com borrachada.
A PM em Santos deu o exemplo da sua interpretação ao Artigo Quinto da Constituição, o da Liberdade de Expressão. Interrompeu a peça Blitz - O Império que Nunca Dorme exibida ao ar livre, que mostrava atores fantasiados de PMs, com máscaras, dançando sensualmente. O governador Alckmin, nome certo para a corrida presidencial das eleições de 2018, que tem seu homem no Ministério da Justiça, defendeu a operação ao afirmar que a peça era de “muito mau gosto”.
Policiais chegaram a algemar o ator e diretor da peça, Caio Martinez Pacheco. “Ele desrespeitava o país", alegou-se. O mais irônico é que a peça foi produzida a partir de um edital do Governo do Estado de São Paulo. Era a vigésima vez que a apresentavam na Praça dos Andradas, em frente à Cadeia Velha de Santos, prédio tombado em que ficaram muitos presos políticos no passado, inclusive meu avô italiano, preso por vadiagem.
O boletim de ocorrência: o grupo atuava de maneira desrespeitosa contra símbolos nacionais; o hino nacional era tocado de maneira desrespeitosa; as bandeiras do Brasil e do Estado de São Paulo estavam com caveiras de cabeça para baixo. O boletim de ocorrência poderia ser simplificado: protestavam contra o império.
O juiz Alex Costa de Oliveira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, autorizou a PM, a fim de desocupar uma escola, suspender o fornecimento de água, energia, impedir a entrada de alimentos e fazer o uso de “instrumentos sonoros contínuos, direcionados ao local da ocupação, para impedir o período de sono”. O império nunca dorme. Não autorizou a negociação, o diálogo, mas a uma ação que lembra tortura.
O brasileiro não é o inimigo. O estudante brasileiro que protesta não é terrorista. Movimentos sociais não são bandidos. Artista não é o canalha usurpador de isenções que lesam a pátria. Não é ele quem sangra o País.
Cultura não é inimiga. Nem filósofos. Bicicleta não é inimiga. Não vale a pena destruir florestas, rios. Ações afirmativas democratizam os bens do Estado. Bolsas ajudam a recomposição de dignidade social, distribuem a renda.
Desejar o bem para os outros não é querer que o Brasil se transforme numa Venezuela. Querer um estado de bem-social é defender a democracia.



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